Uma vida dedicada à instituição


Há 36 anos, quando concluía o Curso Técnico em Agropecuária na Escola Agrícola de Teutônia, recebi uma proposta de trabalho pela direção daquela escola. Convidado para uma conversa entrei na sala dos professores. Estavam lá o Sr. Manfredo Mensch, diretor da SETREM, e seu coordenador pedagógico, Sr. Lenir Heinen. O convite era para conhecer e trabalhar na Escola Agrícola de Três de Maio. Acertamos uma visita para a semana seguinte.

Na segunda semana de dezembro de 1973 embarquei num Ouro e Prata, em Lajeado, com mais dois colegas, Abel Delazeri e Ivo Matuella, que também haviam sido convidados para fazer o seu estágio. Foi uma viagem muito longa para um lugar totalmente desconhecido por nós.

A primeira impressão foi no mínimo, estranha. As primeiras pessoas que encontrei foram o prof. Martin H. Hasenack e Sr. Edegar Heimerdinger. Eles foram simpáticos e receptivos, mas do jeito sisudo e um olhar germânico daqueles que pareciam me analisar de cima abaixo... Será que este cara é gente boa?

O Prof. Martin, com a Kombi amarela, novinha em folha, mostrou a área da escola, na qual o Prof. Valdir A. Benedetti, que já estava na SETREM há dois anos, tinha organizado uma horta e estava tapando as barrocas com os estudantes. Acertamos a vinda para 18 de janeiro de 1974.

Nesta data começou minha história na SETREM. Esta escola tinha tudo por  ser feito na área técnica, principalmente na pecuária. Tinha aviário localizado onde hoje é a marcenaria. Anexo a este um estábulo que abrigava três vacas holandesas.

A Getúlio Vargas, assim era conhecida a SETREM naquela época, estava com enormes dificuldades financeiras e o Curso Técnico em Agropecuária havia sido criado três anos antes, com pequeno número de estudantes e espaço físico para atividades práticas. Arregacei as mangas e com os estudantes cortamos o mato, transformamos as toras em tábuas e com estas construímos os aviários, um a um, com auxilio de um carpinteiro, o senhor Hack. Enquanto o colega Abel se dedicava ao pomar e à floricultura e o colega Ivo a horta, consegui, com a liderança do Prof. Valdir, instalar os aviários, o setor de cunicultura e o tambo leiteiro, o qual se mantém igual até hoje.

Hoje é fácil dizer que com as tábuas das toras construímos os aviários, isso cabe uma numa pequena frase, mas para contar as dificuldades daquele tempo com certeza precisaríamos de muitas. Conto alguma desta história. A instituição tinha um tratorzinho à gasolina para trabalhar. Hoje, ele está na Unidade de Ensino São Paulo, para os estudantes da Educação Infantil brincarem.

Cortado o mato, com machado, serrote e motosserra, retiramos as madeiras e depois arrancamos os tocos. Os tocos foram retirados à base de enxadão, pá e machado. Alguns deles deixavam uma cratera da profundidade de uma pessoa. Na área onde hoje é a horta, conseguimos um trator esteira para destocar. Esta área destinou-se à fruticultura. Em 1976, instalamos um belo pomar que produziu por vários anos. Faço uma explicação para o uso da terminologia na primeira pessoa do plural que o nós refere-se a presença de estudantes no trabalho e, ocasionalmente, dos colegas técnicos.

A palavra “toco” tem um significado muito mais abrangente do que simplesmente ter sido a base de sustentação de uma árvore. Além das grandes dificuldades de serem retiradas do local da forma com já descrevi, eles serviam também de lembranças inesquecíveis de egressos que na época desobedeciam ao regulamento do internato. Dependendo o grau de desobediência ou da bagunça cometida, o estudante devia arrancar o número de tocos nas horas de folga. Bagunça maior recebida o arrancamento de um toco maior. O termo toco pode ser traumático para alguns destes egressos, mas também para muitos deve ter contribuído para o conhecimento do valor de um limite moral ou formativo, além de ser uma lembrança sempre citada com risos e orgulho, quando se encontram e contam do número de tocos que arrancaram.

Os colegas Abel e Ivo permaneceram poucos anos trabalhando na instituição. Não resistiram aos convites da Empresa Manah e assumiram revendas de adubos e assistência técnica. Estou aqui não porque me faltaram convites, mas porque talvez não sou muito aventureiro e gostei de levar adiante e me apaixono pelo que estou fazendo. Poderia estar financeiramente, acredito, muito melhor, mas sempre gostei dos desafios que este lugar exigiu. Se o lado financeiro fosse preponderante, certamente não teria estado tanto tempo na SETREM porque os anos 70 foram difíceis. Houve anos que não recebia salário no fim do mês, somente vales, quando tinha dinheiro em caixa.

Os professores cujas esposas trabalhavam no estado eram os últimos a receber porque já tinham um ganho para as despesas da família. A instituição não fechou por insistência e coragem dos senhores Manfredo Mensch e Edegar Heimerdinger. Era para ser um abrigo de idosos. A teimosia destes e a força do Prof. Martin H. Hasenack a mantiveram de pé até que as vacas magras fossem engordando aos poucos. A instituição não tinha mais crédito na cidade. Devia carne no açougue Schardong durante longo tempo. Quando cheguei, em 74, não consegui crédito para comprar a cama e duas cadeiras para montar meu quarto. Graça a Deus isto faz parte do passado. O projeto americano que a SETREM consegui através do P. David Nelson deu novo ânimo com as receitas da granja Esquina Motta. Depois deste, outro projeto de fundamental importância foi aquele conseguido através da igreja evangélica mundial. O empenho do diretor Erni Volbrecht foi decisivo para que pudéssemos equipar a escola melhor e adquirir nova área de terra.

Este diretor deu um novo ânimo ao Curso Agropecuário, buscando alunos e possibilitando que os professores se aperfeiçoassem nas suas áreas. Falando um pouco mais em diretores, não posso deixar de mencionar o Seno Leonhardt, que assumiu em condições melhores do que aquelas dos anos 70, mas também com grandes problemas. O seu empreendedorismo e a força das bases mudou a cara da SETREM.

Acreditei nele desde que foi meu aluno no Curso Técnico. Já era líder entre os estudantes. Estudante muito aplicado e disciplinado quanto a seus objetivos. Formou-se engenheiro civil e trabalhou posteriormente como coordenador da Faculdade de Administração. Com a saída do diretor Bruno Whermann, aderetoria havia sondado uma pessoa de Crissiumal para sucedê-lo. Porém, como eu e colegas professores mais antigos conhecíamos a pessoa do Seno, sugerimos o seu nome.
Após algumas reuniões convencemos o Conselho da Comunidade para que ele fosse o novo diretor da SETREM. Desta briga, no bom sentido, me orgulho muito porque o Seno fez da SETREM uma entidade de destaque na região. Nos primeiros anos deu um novo ânimo, um plano com metas e objetivos. Manteve, nos anos seguintes, com muita coragem e empenho e nos últimos anos fez a SETREM decolar, colhendo os frutos de seu plano inicial frutificar novas sementes.

A minha história se confunde com a da SETREM, ao menos nos últimos 36 anos, período em que estou trabalhando nela. Comecei como técnico e professor responsável pelo setor de criações do departamento agropecuário. Lecionei Zootecnia, Criações, Fruticultura, Silvicultura, Irrigação e Drenagem, Culturas. As aulas, sendo técnicas ou práticas, dentro ou fora da sala, sempre foram ministradas com profissionalismo, fazendo desta “gurizada” gente que o campo precisa, isto é, profissionais sensatos, empreendedores, éticos e trabalhadores. Cheguei com 22 anos e não tive dificuldade para me fazer respeitado mesmo que muitos estudantes fossem mais velhos.

Desde que vim para cá trabalhei no internato como professor plantão, no controle dos alunos internos. Até os anos 90 nesta Unidade funcionava somente o Curso Técnico em Agropecuária com internato e externato. Conheci todos os alunos deste curso, a primeira turma acompanhei o estágio e das outras fui professor. Com todos tive boa relação. Acredito que os exemplos e acertos foram muito mais marcantes e importantes que os erros, porque quando retornam fazem questão de recordar aqueles tempos.

O internato tem importância fundamental na formação humana. Sou testemunha disto pela convivência de muitos anos. Trabalhar no internato como plantão e, nos últimos oito anos, como Coordenador é uma vida diferente. Quem está fora não tem noção da carga de responsabilidades que a pessoa se atribui, por ter tantos seres humanos na idade jovem sob seu comando. Junta-se a isto toda estrutura da instituição. Parece que os braços da gente são curtos para poder tê-la sempre no domínio dos olhos. Não é possível apenas administrar, é preciso viver com ela, porque entre as paredes têm pessoas.

Esta convivência interna divide a gente, mesmo sem querer, da convivência da família. Desde que vim morar dentro da SETREM, por ter assumido a Coordenação do internato, tenho percebido que não sou pai apenas das minhas filhas, porque quando estou na Ilha do Chafariz elas dizem: aqui tu és o nosso pai. Mesmo assim, acredito não tê-las prejudicado porque estou sempre perto da casa.  Por morar na instituição elas são cobradas como exemplo por serem filhas do professor Dalziro.

Fonte: MUSSKOPF, Egon Hilario. Sinal verde para crescer: 80 anos de história / Egon Hilario Musskopf. , Novo Hamburgo: Echo, 2004.

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